Unidades de conservação: medida provisória e retrocesso socioambiental
O Plenário iniciou o julgamento de ação direta ajuizada em face da Medida Provisória 558/2012, a qual dispõe sobre alterações nos limites de parques nacionais, florestas nacionais e de área de proteção ambiental. A medida provisória foi convertida na Lei 12.678/2012, que alterou também os limites de outra floresta nacional e ajustou normas relativas às operações de crédito rural por ela especificadas.
A ministra Cármen Lúcia (presidente e relatora) conheceu em parte da ação e, na parte conhecida, julgou procedente o pedido, sem pronúncia de nulidade, para declarar a inconstitucionalidade da Medida Provisória 558/2012, convertida na Lei 12.678/2012.
Inicialmente, destacou que o pedido foi devidamente fundamentado quanto às alterações de áreas de unidades de conservação, mas não foram atacadas especificamente outras normas veiculadas nesses diplomas legais que não se relacionam diretamente a essas alterações. Assim, a ação direta não pode ser julgada quanto a esses dispositivos.
Considerou, ainda, possível a análise dos requisitos constitucionais para a edição de medida provisória após sua conversão em lei, pois a lei de conversão não convalida os vícios formais porventura existentes na medida provisória.
No tocante aos requisitos constitucionais de relevância e urgência para a edição da medida, foram suficientemente demonstrados na exposição de motivos. Em síntese, as alterações promovidas pelo ato normativo impugnado visaram à resolução de conflitos fundiários e à viabilização de usinas hidrelétricas, bem assim à proteção mais eficiente sob o aspecto ambiental.
O argumento de que a alteração dos limites das unidades de conservação para fins de resolução de conflitos fundiários não poderia ser realizada por medida provisória, tendo em conta o que dispõe a Lei 9.985/2000, não procede. A lei regula apenas a situação de populações tradicionais residentes em unidades de conservação. Assim, ela não seria suficiente para solucionar os conflitos.
Com relação às alterações nos limites das unidades de conservação que objetivaram viabilizar a construção de usinas hidrelétricas, a relatora apontou que, antes da edição da medida, o Instituto Chico Mendes havia decidido que sequer poderia ser deferida a abertura do processo de licenciamento ambiental para a construção das usinas.
Entretanto, no que diz respeito à alteração ou supressão de espaços territoriais especialmente protegidos, a melhor exegese do art. 225, § 1º, III (1), da CF impõe que esse ato somente pode ser feito por meio de lei formal, com amplo debate parlamentar e participação da sociedade civil, bem assim dos órgãos e instituições de proteção ao meio ambiente, em observância à própria finalidade do dispositivo constitucional, que é assegurar o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Ademais, medida provisória que implique diminuição da proteção ao meio ambiente, como no caso, possui evidente potencial de causar prejuízos irreversíveis, na eventualidade da não conversão em lei. A desafetação das áreas de unidades de conservação é efeito que poderia ser plenamente revertido caso a medida provisória não tivesse sido convertida em lei. Porém, no intervalo entre a adoção da medida provisória e sua apreciação pelo Congresso Nacional, poderiam, em tese, advir danos irreparáveis ao meio ambiente nas áreas desafetadas. Esse motivo corrobora a impropriedade da adoção desse tipo de ato normativo para alterar ou suprimir espaços territoriais especialmente protegidos.
No mérito, a relatora assentou a contrariedade da Medida Provisória 558/2012 e da Lei 12.678/2012 ao princípio da proibição de retrocesso socioambiental. Ele decorre diretamente do princípio da proibição do retrocesso social, o qual impede que o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado por medidas legislativas seja aniquilado por medidas estatais.
Ainda que a aplicação do princípio da proibição do retrocesso socioambiental não possa engessar a ação legislativa e administrativa, sendo forçoso admitir certa margem de discricionariedade às autoridades públicas em matéria ambiental, o que se consumou, na espécie, foi a indevida alteração de reservas florestais à revelia do devido processo legislativo, por ato discricionário do Executivo, em prejuízo da proteção ambiental de parques nacionais na área amazônica.
As alterações promovidas, em linhas gerais, implicaram gravosa diminuição da proteção dos ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação em debate, acarretando ofensa ao princípio da proibição de retrocesso socioambiental e atingindo o núcleo essencial do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista dos autos.
(1) CF/1988: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.
ADI 4717/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 16.8.2017. (ADI-4717)
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Decisão publicada no Informativo 873 do STF - 2017
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